Não é tragédia, é racismo

Trágicas não são somente as chuvas que atingiram o litoral norte, no estado de São Paulo, mas, especialmente, as discriminações sistêmicas que atingem as comunidades mais vulneráveis.

A catástrofe climática envolve eventos climáticos erráticos, cada vez mais extremos, severos e frequentes, como o ocorrido na região litorânea norte de São Paulo, afetada por uma tempestade sem precedentes nos últimos dias, resultando na morte de cerca de 50 pessoas, mais de 40 desaparecidos e centenas de desabrigados.

O volume de precipitação registrado em um período de 24 horas foi o maior já registrado na história do país, com mais de 600 milímetros. Em São Sebastião, a cidade mais impactada pelo evento climático extremo, o volume de chuva atingiu 683 milímetros, superando a quantidade total de chuva registrada durante todo o verão passado.

Tais eventos envolvendo tempestades, inundações e deslizamentos de terra não serão mais excepcionais e tragédias como essa tendem, infelizmente, a se agravar, em frequência e intensidade, tais como as ocorridas nas cidades de Petrópolis e Angra dos Reis, em 2022.

Apesar da tragédia anunciada, segundo um levantamento da Associação Contas Abertas, o orçamento destinado pelo governo federal, em 2023, para prevenção e recuperação de desastres foi o mais baixo registrado nos últimos 14 anos, afetando, lamentavelmente, as cidades atingidas pela tragédia na região litorânea de São Paulo.

Episódios como os grandes deslizamentos de encosta, que atingiram o litoral norte de São Paulo, escancaram o racismo ambiental, quando as comunidades de baixa renda e as minorias étnicas são desproporcionalmente expostas aos riscos ambientais.

Em São Sebastião, os bairros da costa sul foram os mais atingidos pela tragédia. Não por acaso, a Vila Sahy, a região com o maior número de vítimas, surgiu como uma ocupação denominada “Vila Baiana”, devido à presença de imigrantes vindos da Bahia e outros estados do Nordeste em busca de oportunidades de trabalho na região litorânea norte de São Paulo.

As chuvas não são a única tragédia, já que as discriminações sistêmicas que atingem as comunidades mais vulneráveis tornam os eventos mais perigosos.

São urgentes medidas de mitigação e, principalmente, as de adaptação à catástrofe climática, envolvendo o conjunto de medidas e ações voltadas para as cidades e espaços urbanos, pensando especialmente pela ótica da população mais vulnerável.

Tais eventos afetam de maneira desproporcional as comunidades marginalizadas, que frequentemente vivem em áreas como encostas íngremes, margens de rios e fundos de vales. Além disso, tais comunidades têm menos acesso a recursos e infraestrutura para lidar com as consequências dessas catástrofes, como água potável, saneamento básico, abrigos e serviços de emergência adequados.

Também está em jogo o modo de vida no Antropoceno, com a urbanização desordenada  e a supressão de vegetação nativa que mantém a estabilidade das encostas. A especulação imobiliária tem sido um fator agravante, gerando um novo recorte de discriminação, fazendo com que a construção de edifícios se expanda em direção às encostas, abrangendo desde moradias mais vulneráveis até condomínios de alto padrão.

Lidar com o problema envolve, primeiramente, tratá-lo como algo gestado na catástrofe climática, o que demanda políticas públicas eficazes e investimentos para minimizar os riscos ambientais e climáticos.

Nos próximos anos se fará necessário investir em medidas de resiliência para mitigar os riscos ambientais e climáticos nessas áreas, envolvendo a segurança alimentar, a saúde, a economia e a estabilidade política e ambiental dessas comunidades.

As estratégias incluem a construção de infraestrutura resistente a eventos climáticos extremos, a elaboração de planos de contingência para lidar com desastres naturais e a implementação de ações para reduzir a vulnerabilidade das comunidades.

É essencial que sejam adotadas políticas públicas estratégicas para garantir a justiça ambiental, a equidade e a inclusão na adaptação e mitigação aos efeitos das mudanças climáticas.

Toda a solidariedade aos atingidos pela tragédia ambiental no litoral norte de São Paulo.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião do OJB/UFRJ.

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