Devemos olhar para a fúria da Constituição, que exigirá o cumprimento de suas promessas.
Há 4 anos, inspirada pelo livro “A Queda do Céu”, do xamã yanomami Davi Kopenawa, falei sobre a queda da Constituição. Era o início de um período sombrio, com as fantasmagorias do colonialismo e do autoritarismo se alastrando em terras brasileiras.
Eram tempos de nuvens densas, em que Bolsonaro, fingindo ser escravo das “quatro linhas da Constituição”, decidiu escravizá-la e esquadrinhá-las aos seus próprios desígnios.
Assistimos, com assombro, o trituramento de corpos e de mundos, fazendo da Constituição papel inerte, tacanho, reduzido a pó, com as tinturas suspensas, os xamãs assassinados, o Supremo atacado.
O saldo foi devastador: territórios depredados, ministérios substituídos por anti-ministérios, políticas protetivas desmanteladas, boiadas passando, florestas ardendo e biomas aniquilados.
No cerne do projeto bolsonarista, estava a morte da Terra e dos corpos que sabem ser Terra, como os povos da floresta e das águas, população negra, quilombola e ribeirinha. Corpos torturados e assassinados, como os do indígena Paulo Paulino Guajajara, do indigenista Bruno Pereira e do jornalista inglês Dom Phillips.
O caso dos Yanomami, em Roraima, ilustra as políticas de morte que marcaram os últimos anos, levando Barroso a determinar a abertura de investigação do governo de Bolsonaro por genocídio contra os yanomami.
Bolsonaro incentivou o garimpo ilegal e descumpriu reiteradamente determinações de proteção da vida, da saúde e da segurança dos povos indígenas, como na ADPF 409, no STF, no contexto da pandemia da covid-19, e da Corte Interamericana de Direitos Humanos, que, em 2022, determinou medidas provisórias de proteção dos povos Yanomami, Ye`Kwana e Munduruku.
Hoje, exatamente 4 anos depois do mau presságio da queda da Constituição, emerge a promessa de um futuro ancestral, com o compromisso de regeneração, em que o Brasil recuperará o protagonismo nas políticas climáticas, considerando a Amazônia como um bioma estratégico e vital em termos de biodiversidade e de regulação do clima global, além do reconhecimento da sua importância ancestral para os modos de existência dos povos da floresta.
Se em tempos de mercantilização do planeta é comum tratar o “Mercado” como um ente antropomórfico e amorfo, que “reage” a cada declaração indesejada, parece de maior justeza tratar a Constituição como um ente antropomorfizado, representativo dos diversos interesses e corpos presentes na constituinte de 88.
O grande desafio dos próximos anos será dar cabo às promessas não cumpridas da Constituição, que se arrastam desde 88, como a demarcação das terras indígenas e a reforma agrária.
Se a Constituição estava em queda, ferozmente atacada nos últimos anos — e simbolicamente agredida no 8 de janeiro — agora ela irá retornar, cobrando o preço de suas promessas.
Este texto não representa, necessariamente, a opinião do OJB/UFRJ.
Doutoranda em Direito na FND/UFRJ, pesquisadora, escritora, ensaísta e advogada.